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Papa Francisco: a piedade popular é o sistema imunitário da Igreja
29/11/2018
"O santuário é o lugar privilegiado para experimentar a misericórdia que não conhece confim. Esse é um dos motivos que me levou a desejar a ‘Porta da misericórdia’ também nos santuários durante o Jubileu da Misericórdia", disse o Papa.
O Papa Francisco recebeu em audiência, nesta quinta-feira (29/11), na Sala Regia, no Vaticano, cerca de seiscentos participantes do encontro internacional de Reitores e Colaboradores de Santuários.
O Pontífice esperava esse momento para encontrar os representantes de vários santuários espalhados pelo mundo.
“Quanto precisamos dos santuários no caminho cotidiano da Igreja! São lugares em que o nosso povo vai com boa vontade a fim de manifestar sua fé na simplicidade e segundo as tradições que aprenderam desde a infância. De várias formas, os nossos santuários são insubstituíveis, pois mantêm viva a piedade popular, enriquecendo-a com uma formação catequética que sustenta e reforça a fé e alimentando, ao mesmo tempo, o testemunho da caridade”, disse Francisco em seu discurso.
“Isso é muito importante: manter viva a piedade popular e não esquecer aquele tesouro que é o número 48 da Evangelii Nuntiandi, em que São Paulo VI mudou o nome de “religiosidade popular” para “piedade popular”. É um tesouro! Essa é a inspiração dessa piedade popular que, por outro lado, como disse um bispo italiano: “A piedade popular é o sistema imunitário da Igreja. Nos salva de muitas coisas”, frisou o Papa.
Acolhimento dos peregrinos
O Pontífice destacou a importância do acolhimento dos peregrinos. “Sabemos que cada vez mais os nossos santuários são meta não de grupos organizados, mas de peregrinos individuais ou pequenos grupos autônomos que vão a esses lugares santos. É triste que em sua chegada eles não encontrem ninguém para dar-lhes as boas-vindas e que os acolha como peregrinos que fizeram uma viagem, muitas vezes longa, para chegar ao santuário. Pior ainda quando encontram a porta fechada!”
Segundo o Papa, não é possível dar mais atenção às exigências materiais e financeiras, “esquecendo que a realidade mais importante são os peregrinos. Eles são os que contam. Devemos dar atenção a cada um deles, fazendo com que se sintam ‘em casa’, como um parente esperado por muito tempo que finalmente chegou”.
“É preciso considerar também que muitas pessoas visitam os santuários porque pertencem à tradição local, porque suas obras de arte atraem ou porque estão situados num ambiente natural de grande beleza e inspiração”, disse ainda Francisco.
“Essas pessoas, quando são acolhidas, são mais disponíveis a abrir o seu coração e a deixá-lo plasmar pela Graça. Um clima de amizade é uma semente fecunda que os nossos santuários podem semear no terreno dos peregrinos, permitindo-lhes reencontrar aquela confiança na Igreja que pode ter sido desiludida pela indiferença recebida.”
Santuário, lugar de oração
Para o Papa, “o Santuário é sobretudo lugar de oração. A maioria dos nossos santuários é dedicada à piedade mariana. Ali, a Virgem Maria abre os braços de seu amor materno para ouvir a oração de cada um e atendê-las. Os sentimentos que todo peregrino sente no fundo do coração são encontrados também na Mãe de Deus. Ali, ela sorri dando consolo. Ali, Ela chora com quem chora. Ali, apresenta a cada um o Filho de Deus em seus braços como o tesouro mais precioso que uma mãe possui. Ali, Maria se faz companheira de caminhada de cada pessoa que olha para ela pedindo uma graça, certa de ser atendida. A Virgem responde a todos com a intensidade de seu olhar que os artistas souberam pintar, guiados do alto na contemplação”.
A propósito da oração nos santuários, o Papa sublinhou duas exigências:
“A primeira, favorecer a oração da Igreja que com a celebração dos Sacramentos torna presente e eficaz a salvação. Isso permite a qualquer pessoa que esteja presente no santuário de sentir-se parte de uma comunidade maior que de todo canto da terra professa a única fé, testemunha o seu amor e vive a mesma esperança. Muitos santuários surgiram através do pedido de oração feito pela Virgem aos videntes, a fim de que a Igreja não se esquecesse nunca das palavras do Senhor Jesus de rezar sem cessar e permanecer sempre vigilante na espera de seu retorno.”
Alimentar a oração do peregrino
Segundo o Pontífice, os santuários são chamados a alimentar a oração de cada peregrino no silêncio de seu coração.
“Com as palavras do coração, com o silêncio, com suas fórmulas aprendidas na infância, com os seus gestos de piedade, cada um deve ser ajudado a expressar sua oração pessoal. Muitas pessoas vão ao santuário porque precisam receber uma graça e depois voltam para agradecer, por ter recebido a força e a paz na provação. Essa oração torna os santuários lugares fecundos, para que a piedade popular seja sempre alimentada e cresça na conhecimento do amor de Deus.”
O Papa frisou que ninguém nos santuários deve se sentir um estranho, especialmente quando chega ali “com o peso de seu próprio pecado”.
Misericórdia
Francisco fez uma observação: “O santuário é o lugar privilegiado para experimentar a misericórdia que não conhece confim. Esse é um dos motivos que me impulsionou a desejar a ‘Porta da misericórdia’ também nos santuários durante o Jubileu da Misericórdia. De fato, a misericórdia, quando é vivida, torna-se uma forma de evangelização real, porque transforma as pessoas que recebem a misericórdia em testemunhas de misericórdia.”
“Primeiramente, o Sacramento da Reconciliação, que muitas vezes é feito nos santuários, precisa de sacerdotes bem formados, santos, misericordiosos e capazes de saborear o encontro verdadeiro com o Senhor que perdoa.”
“Desejo que nunca falte nos Santuários a figura do ‘Missionário da Misericórdia’ como testemunha fiel do amor do Pai que abre os braços a todos e vai ao encontro feliz por ter reencontrado quem se distanciou. As obras de misericórdia pedem para ser vividas de modo particular em nossos santuários, pois nelas a generosidade e a caridade são realizadas de forma natural e espontânea como atos de obediência e amor ao Senhor Jesus e à Virgem Maria.”
O Papa pediu a Nossa Senhora para que ajude e acompanhe os Reitores e Colaboradores de Santuários nessa grande responsabilidade pastoral que lhes foi confiada. “Por favor, não se esqueçam de rezar mim e fazer com que rezem por mim em seu santuários”, disse.
Papa conta fato vivido por ele
Antes de concluir, Francisco contou um fato vivido por ele.
“O Santuário é um lugar de encontro não somente com o peregrino, com Deus, mas também do encontro de nós pastores com o nosso povo. A Liturgia de 2 de fevereiro nos diz que o Senhor vai ao Santuário para encontrar o seu povo, para sair ao encontro de seu povo, entender o povo de Deus, sem preconceitos, com o faro da fé, com a infallibilitas in credendo da qual fala o número doze da Lumen gentium.”
Segundo o Papa, “este encontro é fundamental. Se o pastor que está no santuário não consegue encontrar o povo de Deus, é melhor que o bispo dê a ele outra missão, pois não é adapto para isso. Sofrerá muito e fará o povo sofrer”.
“Lembro-me de um brilhante professor de literatura. Foi a vida inteira jesuíta. A vida inteira ensinou literatura, mas de alto nível. Depois, aposentou-se e disse ao provincial: “Aposento-me e gostaria de fazer algo de pastoral num bairro pobre, ter contato com o povo, com as pessoas”. O provincial lhe confiou um bairro de pessoas piedosas, que iam aos santuários, que tinham essa mística, mas muito pobre, uma favela, mais ou menos. Ele ia à comunidade da Faculdade de Teologia uma vez por semana, onde eu era reitor. Ele passava o dia todo conosco, em fraternidade, depois voltava. Assim, mantinha a vida comunitária. Como era uma pessoa brilhante, um dia me disse: “Você deve dizer ao professor de eclesiologia que lhe faltam dois temas”. “Como assim?” “Sim, dois temas que ele deve ensinar”. “Quais são?” “Primeiro: o povo santo fiel de Deus é ontologicamente olímpico, ou seja, faz o que quer, e metafisicamente cansativo”. Entendeu, no encontro, como o povo de Deus cansa, porque cansa. Se você está em contato com o povo de Deus, você se cansará. Uma agente pastoral que não se cansa, eu pensaria duas vezes! O olímpico faz o que quer: Lembro-me de quando era professor dos noviços ia todos os anos, e depois como provincial com os noviços, ao Santuário de Salta, no norte da Argentina, nas festas do Senhor dos Milagres. Saindo da missa, uma senhora do povo aproximou-se de um sacerdote com alguns santinhos e lhe disse: “Padre, os abençoe?” E o sacerdote, um teólogo muito bom, disse-lhe: “A senhora foi à missa?” “Sim”. “A senhora sabe que na missa há o sacrifício do calvário, Jesus Cristo está presente?” ‘Sim, padre, sim”. “E a senhora sabe que tudo o que está ali foi abençoado?” “Sim, padre”. “A senhora sabe que a bênção final abençoa tudo?” “Sim, padre”. Naquele momento estava saindo outro sacerdote que conhecia tudo isso, tocou o padre, virou-se para saudá-lo e a senhora lhe disse: “Padre, abençoa esse santinho?” Olímpico! Queria tocar. Este é o sentido mais religioso do contato. As pessoas tocam as imagens. Tocam em Deus. Obrigado pelo que fazem”, concluiu Francisco.

Fonte: Vatican New (Mariangela Jaguraba - Cidade do Vaticano)