Reflexões

Discurso na Câmara de Vereadores do Rio Grande
Senhores Vereadores e Senhoras Vereadoras do Município do Rio Grande

Agradeço a acolhida nesta Casa Legislativa e este espaço em que posso expressar minha mais alta consideração pelos senhores e senhoras já que foram eleitos legitimamente pelo povo e tem sobre vossas vidas a responsabilidade de legislar em nome dos cidadãos.
Estou realizando a Visita Pastoral a Paróquia Catedral de São Pedro de hoje ao dia 23 próximo. A Visita Pastoral é uma ocasião especial, de caráter missionário e de vivência da comunhão eclesial. Segundo o Código de Direito Canônico (Cânon 396,1), o “bispo é obrigado a visitar cada ano a diocese, total ou parcialmente, de modo que visite a diocese toda ao menos cada cinco anos”. 
Cheguei em Rio Grande em junho do ano passado. Os primeiros seis meses me dediquei na criação dos Conselhos de Presbíteros, Conselho de Pastoral, Conselho Econômico e Conselho de Ordens e Ministérios que irão colaborar no governo da Diocese. 
Neste ano, me comprometi a visitar todas as Paróquias e comunidades da Diocese em todos os Municípios que a compõe. Iniciei Janeiro e fevereiro em Santa Vitória e Chuí. Em março estive nos Municípios de Tavares e Mostardas e de agora em diante até o final do ano visitarei todas as comunidades da Cidade do Rio Grande e São José do Norte. 
Nas visitas, além do itinerário religioso, das cerimônias celebrativas, faço questão de abrir um sincero e cordial diálogo com o poder público e suas instâncias políticas. Portanto, venho hoje me apresentar à vossas Senhorias e, como o Bispo da Diocese do Rio Grande, desde já, me colocar à vossa disposição para mantermos um constante diálogo em vista da responsabilidade social que a cada um de nós foi confiada. 
Gostaria de lembrar da parábola do palhaço e a aldeia em chamas, que tinha sido descrita um dia por Kierkegaard, um grande filósofo do século XIX, e que Harvey Cox recontou no seu livro ‘A Cidade do Homem’. A parábola conta assim: “Certa vez, houve um incêndio num circo ambulante na Dinamarca. O diretor mandou imediatamente o palhaço, que já se encontrava vestido e maquilhado a preceito, para a vila mais próxima, à procura de ajuda, advertindo-o de que existia o perigo de o fogo se espalhar pelos campos ceifados 
e ressequidos, com risco iminente para as casas do próprio povoado. O palhaço correu até à vila e pediu aos moradores que viessem ajudar a apagar o incêndio que estava a destruir o circo. Mas os habitantes viram nos gritos do palhaço apenas um belo truque de publicidade que visaria levá-los a acorrer em grande número às sessões do circo; aplaudiam e desatavam a rir. Diante dessa reação, o palhaço sentiu mais vontade de chorar do que de rir. Fez de tudo para convencer as pessoas de que não estava a representar, de que não se tratava de um truque e sim de um apelo da maior seriedade: estava realmente em causa um incêndio. Mas a sua insistência só fazia aumentar os risos; eles achavam que a performance estava excelente – até que o fogo alcançou de fato aquela vila. Aí já foi tarde, e o fogo acabou por destruir não só o circo, mas também a povoação”.
Estamos vivendo uma séria crise de valores, uma crise moral. As grandes Instituições estão perdendo sua credibilidade porque se afastaram do seu foco e de seus objetivos, tornando-se tão grandes que se perderam em suas próprias burocracias dando espaços para uma corrupção institucionalizada. A palavra do ano de 2016 escolhida pela Universidade da Oxford foi “pós verdade” que expressa todas as mentiras mediáticas usadas por Trump e outros políticos em diversos países para alcançarem seus objetivos. Pós-verdade: um adjetivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. A verdade está perdendo importância no debate político. O que me preocupa nesse sentido é que ninguém mais acredite em político nenhum e em nenhuma proposta política. Nessa miscelânea de notícias de corrupção a população pode colocar todos num rótulo e assim provocar uma apatia política e desacreditar mesmo nos honestos e nas propostas viáveis. 
Mas por causa daqueles que mancharam a saudável política pela corrupção e pela irresponsabilidade social, os bons se tornam como esse palhaço que anuncia o trágico fogo mas não são ouvidos no povoado. Aos bons políticos e aos partidos que tem projetos viáveis e saudáveis para nossa cidade, venho dizer uma palavra de ânimo: “Coragem... Não tenham medo”. Essa foi a frase de Jesus no Domingo da Ressurreição meditada em todas as comunidades. E 
como diz o Papa Francisco: Não tenham medo de dizer não a economia da exclusão e da desigualdade social, à idolatria do dinheiro; à um dinheiro que governa em vez de servir; ao desânimo egoísta; ao pessimismo estéril; a globalização da exclusão. Também é necessário resgatar essa fidelidade e transparência à sociedade. Só se vence o mal com o bem. Portanto, dessa casa legislativa se espera equilíbrio, sobriedade, bom senso, equidade, uma empatia que supere as desavenças pessoais e partidárias, um comprometimento com o povo e suas reais necessidades, uma transparência no ser e no agir. Tive a oportunidade de ver o curriculum de cada um de vocês e peço que valorizem os votos que a vocês foram confiados dando jus ao seu nome e a história biográfica que cada um construiu até aqui. 
Aproveito para cumprimentar e destacar as mulheres vereadoras que tem um papel imprescindível na história desse Município. Desejo às vereadoras todo o sucesso necessário para revalorizar a missão das mulheres na construção de uma sociedade mais justa e solidária. 
Como Igreja Católica, sonhamos e nos comprometemos com um país próspero, democrático, sem corrupção, socialmente igualitário, economicamente justo, ecologicamente sustentável, sem violência, discriminação, mentiras e com oportunidades iguais para todos. Somente com a participação cidadã de todos os brasileiros e brasileiras é possível a realização desse sonho. Esta participação democrática começa no município. E, nestas terras riograndinas vemos o quanto precisa-se ainda lutar por esse sonho. Está nas mãos de vocês tornar a política credível, viável e promissora em vista de um Município que volte a crescer e a se desenvolver.
Dos prefeitos, no Poder Executivo, espera-se “conduta ética nas ações públicas, nos contratos assinados, nas relações com os demais agentes políticos e com os poderes econômicos” . Dos legisladores, os vereadores, requer-se “uma ação correta de fiscalização e legislação que não passe por uma simples presença na bancada de sustentação ou de oposição ao executivo” . 
Termino com uma pequena história: Um Monge e os discípulos iam por uma estrada e, quando passavam por uma ponte, viram um escorpião sendo arrastado pelas águas. O monge correu pela margem do rio, meteu-se na água e tomou o bichinho na mão.
Quando o trazia para fora, o bichinho o picou e, devido à dor, o homem deixou-o cair novamente no rio.
Foi então a margem tomou um ramo de árvore, adiantou-se outra vez a correr pela margem, entrou no rio, colheu o escorpião e o salvou. Voltou o monge e juntou-se aos discípulos na estrada. Eles haviam assistido à cena e o receberam perplexos e penalizados.
- Mestre, deve estar doendo muito! Porque foi salvar esse bicho ruim e venenoso? Que se afogasse! Seria um a menos! Veja como ele respondeu à sua ajuda! Picou a mão que o salvara! Não merecia sua compaixão!
O monge ouviu tranqüilamente os comentários e respondeu: 
- Ele agiu conforme sua natureza, e eu de acordo com a minha.
O Papa Francisco nos lembra que a política é uma das formas mais altas da caridade porque busca o bem comum. Assim, esperamos de todos os Senhores um real comprometimento com os mais vulneráveis e aqueles que mais necessitam de vosso apoio e vossa atenção. Que desta casa legislativa e deste Município surjam muitas luzes de superação para a crise política e social que estamos vivendo e que cada um de vocês possam acender de novo a esperança de dias melhores para nosso povo.
Deus abençoe a todos!
 
+Ricardo Hoepers
Bispo da Diocese do Rio Grande