Homílias

“Esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei...”
Queridos Irmãos e Irmãs, 

Graça, Misericórdia e Paz! (2Jo 2,3) 

Neste mês de julho estamos vivenciando momentos fortes de nossa vida pastoral e do início do ministério. Já pude visitar muitas comunidades e celebrar com o povo de Deus em diferentes atividades. Já completei o primeiro mês do meu episcopado e a cada dia vou me adentrando nesse ministério tão exigente, mas, ao mesmo tempo, tão gratificante. Estar com o povo de Deus é a missão mais importante. No dia 16 de julho estive celebrando na Igreja do Carmo a Missa Solene que encerrou o novenário dedicado a Nossa Mãe Santíssima do Carmo. O Tema do Novenário foi: “Esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei…”. Um momento emocionante foi a benção do ossário para guardar os restos mortais dos frades que faleceram no Rio Grande. Tudo muito bem preparado e com a dignidade merecida para a ocasião.  Quero, desde já, agradecer aos Carmelitas pela presença e trabalho incansável nesses 100 anos de Rio Grande. Compartilho com vocês a minha homilia e que descansem em paz os frades carmelitas ali sepultados.

“Esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei…”
Nos olhos misericordiosos da Virgem poderíamos meditar sobre as três expressões do verbo: ver, olhar e admirar.

Ver é a percepção que todos temos, trata-se de um sentido aguçado da nossa natureza, altamente desenvolvido pelos olhos, que liga as imagens com as ideias que temos, e elabora no nosso cérebro um conceito.

Olhar exprime mais um ato de fixar com atenção, direcionar os olhos para alguma coisa. Observar e considerar com interesse e amor aquilo que se vê. Olhar para algo que se quer como modelo para imitar.

Admirar significa um olhar maravilhado, com sentimentos de estima e respeito, ser atraído por qualquer coisa que merece uma atenção e é digno de ser seguido.

O mundo da fé sofre e reflete continuamente esses três movimentos da visão.

Podemos ser mais superficiais na fé simplesmente vendo as coisas acontecerem na minha vida mas não me comprometendo com nada e com ninguém…

Podemos também fixar nossa atenção com um olhar atento as coisas que a Igreja ensina e amar e zelar por tudo o que nos dedicamos, mas não adentramos por inteiro no olhar.

Admirar é, dos três comportamentos, o que dá um toque de asa a vida do espírito. Se trata de uma emoção da alma humana, diante de tudo o que é belo, puro amável e bom que possa existir.

Das criaturas excelsas criadas pela mão de Deus, uma delas, de modo particular temos um olhar de admiração: Maria.

A Virgem Imaculada é a criatura mais bela e admirável, celebrada por todos os santos, inspiração para todos os artistas, rima perfeita para todos os poetas, desde o início de nossa era cristã até nossos dias.

Um verso belíssimo de Divo Barsotti se harmoniza bem com nosso sentimento:

Em ti eu vivo
Vivo de ti como um filho que se nutre
No teu seio. Me nutre, Ó Virgem,
Da tua luz, da tua pura beleza.
Nada tenha para pedir-te: me basta
Que permaneça para mim o teu olhar.

Lembremo-nos das palavras de Jesus: “a lâmpada do corpo são os olhos; se teu olhar é simples todo teu corpo será luminoso; mas se teus olhos são maus, todo o teu corpo será tenebroso” (Mt 6,22). Essa afirmação de Jesus explica como muitos dizem não crer. A cegueira espiritual depende da obscuridade interior, causada pelo pecado, de uma vida desregulada e contaminada pelo vício. A cegueira espiritual pode ser fruto também de uma soberba que não deixa a luz de Deus penetrar.

Por isso, estou certo, de que o olhar misericordioso de Maria, mãe terna para todos os seus filhos, consegue penetrar eficazmente nas mentes e consciências mais tenebrosas, mais obstaculizadas, realizando o milagre da conversão.

De um coração humilde e arrependido Deus chamais se afastará, especialmente se este coração for apresentado pelo coração da Mãe terna e amável.

A Virgem Maria conhece nossas misérias, acompanha nossa labuta, sabe de nossos sofrimentos como filhos exilados e diante das nossas contradições e sofrimentos do momento presente ela é nossa esperança e volve para nós seu olhar misericordioso.

São Simão era um dos mais piedosos carmelitas que vivia na Inglaterra. Vendo a Ordem dos Carmelitas ser perseguida até estar prestes a ser eliminada da face da terra, ele sofria muito e pedia socorro a Nossa Senhora do Carmo.

Sua oração, que os carmelitas usam até hoje, foi a seguinte: Flor do Carmelo, vide florida. Esplendor do Céu. Virgem Mãe incomparável. Doce Mãe, mas sempre virgem. Sede propícia aos carmelitas. Ó Estrela do mar.

Nossa Diocese, envolta nas águas do Mar, deve reaprender a invocar Maria com os olhos de admiração e contemplação, de modo que nos deixemos converter pela sua beleza, pureza, ternura e misericórdia. Pelos olhos misericordiosos de Maria queremos viver a Misericórdia de Jesus. Que nesses 100 anos da presença dos Carmelitas possamos reacender a chama do nosso olhar e contemplar e admirar de todo o coração a Estrela do Mar…

Termino essa homilia voltando no tempo e resgatando uma belíssima mensagem de São Bernardo de Claraval: “E o nome da Virgem era Maria” (Lc. 1, 27). Falemos um pouco deste nome que significa, segundo se diz, Estrela do mar, e que convém maravilhosamente à Virgem Mãe… Ela é verdadeiramente esta esplêndida estrela que devia se levantar sobre a imensidade do mar, toda brilhante por seus méritos, radiante por seus exemplos.

E assim verificarás, por tua própria experiência, com quanta razão foi dito: “E o nome da Virgem, era Maria”.

Ó tu, quem quer que sejas, que te sentes longe da terra firme, arrastado pelas ondas deste mundo, no meio das borrascas e tempestades, se não queres soçobrar, não tires os olhos da luz desta estrela.

Se o vento das tentações se levanta, se o escolho das tribulações se interpõe em teu caminho, olha a estrela, invoca Maria.

Se és balouçado pelas vagas do orgulho, da ambição, da maledicência, da inveja, olha a estrela, invoca Maria.

Se a cólera, a avareza, os desejos impuros sacodem a frágil embarcação de tua alma, levanta os olhos para Maria.

Se, perturbado pela lembrança da enormidade de teus crimes, confuso à vista das torpezas de tua consciência, aterrorizado pelo medo do juízo, começas a te deixar arrastar pelo turbilhão da tristeza, a despencar no abismo do desespero, pensa em Maria.

Nos perigos, nas angústias, nas dúvidas, pensa em Maria, invoca Maria.

Que seu nome nunca se afaste de teus lábios, jamais abandone teu coração; e para alcançar o socorro da intercessão dela, não negligencies os exemplos de sua vida.

Seguindo-A, não te transviarás; rezando a Ela, não desesperarás; pensando nela, evitarás todo erro. Se Ela te sustenta, não cairás; se Ela te protege, nada terás a temer; se Ela te conduz, não te cansarás; se Ela te é favorável, alcançarás o fim.

São Bernardo de Claraval

Ricardo Hoepers
Bispo Diocesano do Rio Grande