Notícias - Diocese

Dom Ricardo escreve sobre o Seminário sobre a ADPF 442
26/06/2018

“ELES DECIDEM QUEM VAI NASCER

 E QUEM VAI MORRER ANTES DE NASCER”:

ABORTO PROVOCADO – PENA CAPITAL À UM INOCENTE!

  

 Estive presente no Seminário sobre a ADPF 442 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) promovido pela Câmara dos Deputados, em Brasília, e pude manifestar algumas considerações, em nome da CNBB, a pedido de Dom João Bosco, referencial da Comissão Episcopal Pastoral Vida e Família.

Quem deu entrada à essa Arguição, junto ao Supremo Tribunal Federal, foi o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) que, na base dos seus argumentos apresenta as seguintes considerações:

1)              Alegam que os dispositivos que criminalizam o aborto provocado pela gestante, ou realizado com sua autorização violam os princípios e direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal;

2)              Para eles, as razões jurídicas que moveram a criminalização do aborto, pelo Código penal de 1940 não mais se sustentam. A longa permanência da criminalização do aborto é um caso de uso do poder coercitivo do Estado para impedir o pluralismo razoável, pois torna a gravidez um dever, sendo que, em caso de descriminalização, nenhuma mulher será obrigada a realiza-lo contra a sua vontade

3)              Defendem que a criminalização do aborto compromete a dignidade da pessoa e a cidadania das mulheres e afeta desproporcionalmente mulheres negra e indígenas, pobres, de baixa escolaridade e que vivem distante dos centros urbanos, afrontando o princípio da não discriminação;

4)              Na opinião deles a criminalização do aborto viola o direito à saúde, a integridade física e psicológica das mulheres, o direito à vida e a segurança, por relegar às mulheres a clandestinidade de procedimentos ilegais e inseguros, que causam mortes evitáveis e danos à saúde física e mental.

5)              Defendem que é preciso garantir as mulheres o direito constitucional de interromper a gestação, de acordo com sua autonomia nas primeiras 12 semanas, sem necessidade de qualquer forma de permissão específica do Estado, bem como, garantir aos profissionais de saúde o direito de realizar o procedimento.

Avaliação ética

Para essas argumentações, bastaria uma breve análise do princípio racional de proporcionalidade para verificarmos a fragilidade desses argumentos. E, vários especialistas no direito já o fizeram.

O lobby em torno da descriminalização do aborto é muito forte e conta com apoio de entidades em nível internacional. É contra essa cultura de morte onde o ser humano se torna descartável, que devemos levantar a bandeira da vida, alçada pelas mãos dos brasileiros e brasileiras de fé, que acreditam que a vida é o maior dom que Deus nos deu, princípio de todos os outros direitos.

São Paulo, em sua Carta aos Efésios, diz que somos uma família e para sermos arraigados no verdadeiro amor devemos ser capazes de compreender a largura, o comprimento, a altura e a profundidade desse amor... (cf. Ef 3,18). Essa petição é o cúmulo da irracionalidade de nossas ações e, ao meu ver, é mais uma prova da superficialidade e da irresponsabilidade com a qual estamos tratando a vida, a nossa vida, e a vida das futuras gerações. As ciências nos dão os instrumentos necessários para compreendermos a largura, o comprimento e a altura, isto é, nossas características biológicas, físicas e sociais. Mas, o ser humano é mais que um amontoado de células, é mais que um organismo vivo, é mais que um ser social. Ele tem profundidade, isto é, tem alma, e anseia por valores que não podem ser mensurados pelos nossos cálculos. Essa integridade do ser humano, em todas as suas dimensões, deve ser respeitada e garantida, desde a concepção até o seu fim natural.

Hans Jonas, filósofo alemão muito conhecido entre os que estudam bioética, reflete sobre uma ética do futuro, sobre um princípio de responsabilidade, isto é, uma ética do presente que se preocupa com o futuro e busca proteger nossos descendentes das consequências de nossa ação presente.

Portanto, mesmo que critiquem nossa posição como Igreja Católica, ou tentem desacreditar nossos argumentos, o fato é que, mesmo um Estado Laico, não pode anular ou desprezar a base dos valores cristãos que estão enraizadas no coração do povo brasileiro. E esta fé professada, tem todo o direito de expor seus argumentos, pois tudo o que cremos e acreditamos parte de nosso sensus fidei (senso da fé), fundada na Revelação e da recto ratio (reta razão), fundada na lei natural.

Neste contexto do Supremo Tribunal Federal aceitar essa Arguição 442, lembrei-me de uma reportagem, que na área da Bioética, ficou famosa na década de 60, editada pela revista “Life” com o título: “Eles decidem quem vive e quem morre”. Esta frase se referia a nova máquina de diálise e a formação de uma comissão que decidiria os critérios para decidir quem receberia a hemodiálise.

Infelizmente poderíamos repetir a frase para o Supremo tribunal Federal: eles irão decidir quem nasce e quem morre antes de nascer. O Aborto é exatamente a sentença capital (condenação à morte) contra um inocente. É um crime hediondo e, portanto, um pecado mortal com excomunhão latae sententiae (Código de Direito Canônico, cân. 1398) para todos os envolvidos. 

É por esta reta razão que venho argumentar três pontos que, para nós católicos, são nevrálgicos na ADPF 442:

Em primeiro lugar em todos os argumentos o nascituro é completamente desprezado, anulado, evaporado, como se esse ser, não existisse. Ele deixa de ser uma criança que está para nascer e se torna um adendo, uma coisa, um incômodo, um engodo para a vida da mãe.

Isso demonstra claramente como está o nosso nível de compreensão e de entendimento de quem somos nós, ou do que queremos para as futuras gerações. Nós, como Igreja Católica, como cristãos, como homens e mulheres de bom senso e que acreditamos na reta razão iremos proclamar em bom som, em alta voz, quantas vezes forem necessárias:

O direito à vida é incondicional. Deve ser respeitado e defendido, em qualquer etapa ou condição em que se encontre a pessoa humana. O direito à vida permanece, na sua totalidade, para o idoso fragilizado, para o doente em fase terminal, para a pessoa com deficiência, para a criança que acaba de nascer e também para aquela que ainda não nasceu. Na realidade, desde quando o óvulo é fecundado, encontra-se inaugurada uma nova vida, que não é nem a do pai, nem a da mãe, mas a de um novo ser humano. Contém em si a singularidade e o dinamismo da pessoa humana: um ser que recebe a tarefa de vir-a-ser. Ele não viria jamais a tornar-se humano, se não o fosse desde início. Esta verdade é de caráter antropológico, ético e científico. Não se restringe à argumentação de cunho teológico ou religioso” (Pronunciamento da CNBB, 11 de abril de 2017).

Não tem lógica, não tem estatística, não tem argumento que possa contrariar e suprimir a minha, a sua, a nossa real existência humana e a intrínseca dignidade que nos pertence desde a nossa concepção.

A mulher tem muitas formas de exercer sua autonomia, mas o bebê não tem outra opção para nascer, a não ser através da gestação e do cuidado da mãe para com o seu desenvolvimento no ventre materno. E para que isso aconteça, todas as etapas devem ser respeitadas, uma por uma, pois se trata de um processo irreversível de desenvolvimento da vida.

Com que legitimidade iremos defender todos os direitos humanos se não somos capazes de defender o maior de todos eles, que é o direito de se desenvolver e nascer? Todos os demais direitos dependem desse para se concretizarem.

O segundo ponto está baseado nos argumentos comparativos a outros países e as estatísticas. São todos argumentos controversos. Os dados do Chile e da Polônia desmentem o argumento que descriminalizar resolveria o problema.

Todos sabemos que descriminalizar o aborto é um desengajamento moral, é um caminho de justificar nossa fraqueza de valores, é aceitar resolver um mal com outro mal.

Para aqueles que querem descriminalizar o aborto e entendem que seria um mal menor, pois assim evitaria um mal maior, e ainda, acrescentam que a lei humana não é obrigada a punir tudo, a lei humana pode renunciar a punição, nesse caso, trata-se de uma contradição e fere o princípio de proporcionalidade.

Contradição porque estamos ferindo a constituição tanto para a mãe como também para a criança que tem os mesmos direitos. E a proporcionalidade, porque se trata de duas vidas humanas, uma porém, autônoma e outra, dependente e vulnerável. A lei não pode declarar honesto aquilo que é mal ou prejudicial à luz da razão. Como podemos punir quem não fez nenhum mal contra ninguém? Até um culpado pode entrar com pedido de defesa, mas uma criança no ventre da mãe, quem virá em seu socorro, quem defenderá os seus direitos? Não é contraditório pensar que o Estado que deveria primar pela integridade da vida, venha a permitir a pena de morte à criança frágil, inocente e em desenvolvimento no ventre de sua mãe?

No caso do aborto vale o princípio geral que a lei civil deve conformar-se com a lei moral ou ao menos não contradizê-la, porque a lei humana encontra sua força vinculante na conformidade à reta razão. A lei humana não pode declarar honesto o que é contrário ao direito natural, pois basta tal contradição para que uma lei não seja mais lei.

A inviolabilidade da vida inocente é um imperativo da razão, antes ainda, que ser um mandamento do decálogo. Uma lei que admitisse o aborto como direito se encontraria em total contradição com o autêntico e inalienável direito à vida de cada homem, e violaria a igualdade de todos diante da lei, de modo que, quando uma lei civil legitima o aborto, cessa por si mesma, de ser uma verdadeira lei civil, e não pode obrigar moralmente (Evangelium Vitae, 72).

Como poderíamos obedecer uma lei intrinsecamente imoral?

 O mesmo comportamento deveríamos ter quando, um partido político na sua propaganda eleitoral, contempla no seu programa de ação, a liberação do aborto. Admitir a liceidade do aborto provocado é contradizer nossa lei natural pela qual nos garante o cuidado e o zelo materno para com a vida nascente. Nenhuma lei poderá obrigar ao descomprometimento com o inicio da vida, etapa fundamental do processo de vir a nascer e a se realizar como pessoa.

Concílio Vaticano II assim sintetiza a postura cristã, transmitida pela Igreja, ao longo dos séculos, e proclamada ao nosso tempo: ‘A vida deve ser defendida com extremos cuidados, desde a concepção: o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis’”.

E o terceiro ponto a CNBB já se pronunciou várias vezes denunciando:

É um grave equívoco pretender resolver problemas, como o das precárias condições sanitárias, através da descriminalização do aborto. Urge combater as causas do aborto, através da implementação e do aprimoramento de políticas públicas que atendam eficazmente as mulheres, nos campos da saúde, segurança, educação sexual, entre outros, especialmente nas localidades mais pobres do Brasil. Espera-se do Estado maior investimento e atuação eficaz no cuidado das gestantes e das crianças. É preciso assegurar às mulheres pobres o direito de ter seus filhos. Ao invés de aborto seguro, o Sistema Público de Saúde deve garantir o direito ao parto seguro e à saúde das mães e de seus filhos“ (CNBB 11/04/2017).

A ADPF 422 induz a ideia de que fazer um aborto seria uma solução legítima para as mulheres que o desejarem. Mas esquecem de apresentar o que significa para a mulher fazer um aborto, as consequências humanas, afetivas, psicológicas do ato.

O aborto não é uma conquista, mas é um drama social que corrói as mesmas raízes da convivência humana: isso deve ser prevenido com meios adequados. O Papa São João Paulo II na Encíclica Evangelium Vitae deu sua mensagem às mulheres, de modo que pede que não caiam no desânimo e não abandonem a esperança. As mulheres podem ser as artífices de um novo olhar sobre a vida humana (Evangelium Vitae, 99).

Enfim, lembrando do mesmo Papa, é necessário que tenhamos claro que “o aborto direto, isto é, desejado como fim e como meio, constitui sempre uma desordem moral grave, enquanto morte deliberada de um ser humano inocente”. (EV 62).

Essa afirmação se torna verdadeira não só do ponto de vista da fé, mas também da recta ratio (reta razão), fundada sobre a lei natural.

A vida humana nascente gerada é confiada totalmente ao cuidado e proteção da mãe e essa criança não tem outra opção de vir a vida se não for gerada e cuidada desde o ventre materno.

A Ministra Rosa Weber, do STF, já convocou a Audiência Pública para os dias 3 e 6 de agosto próximos para ouvir os prós e contras a ADPF 442.

Nós, cristãos, que acreditamos no Deus da vida, temos que nos mobilizar contra essa cultura de morte, contra a ADPF 442 que quer liberar o aborto em nosso país, dizer não à condenação à morte de crianças inocentes no ventre materno. Vida sim, aborto não!

Retomo a Nota da CNBB quando, no ano passado, assim se pronunciou:

O direito à vida é o mais fundamental dos direitos e, por isso, mais do que qualquer outro, deve ser protegido. Ele é um direito intrínseco à condição humana e não uma concessão do Estado. Os Poderes da República têm obrigação de garanti-lo e defende-lo. O Projeto de Lei 478/2007 – “Estatuto do Nascituro”, em tramitação no Congresso Nacional, que garante o direito à vida desde a concepção, deve ser urgentemente apreciado, aprovado e aplicado. Com o mesmo ímpeto e compromisso ético-cristão, repudiamos atitudes antidemocráticas que, atropelando o Congresso Nacional, exigem do Supremo Tribunal Federal-STF uma função que não lhe cabe, que é legislar.

Não compete a nenhuma autoridade pública reconhecer seletivamente o direito à vida, assegurando-o a alguns e negando-o a outros. Essa discriminação é iníqua e excludente; “causa horror só o pensar que haja crianças que não poderão jamais ver a luz, vítimas do aborto”. São imorais leis que imponham aos profissionais da saúde a obrigação de agir contra a sua consciência, cooperando, direta ou indiretamente, na prática do aborto(CNBB 11/04/2017). 

 

Rio Grande, Domingo, 24 de junho de 2018

Festa da Natividade de São João Batista

 

+RICARDO HOEPERS

BISPO DA DIOCESE DO RIO GRANDE

REFERENCIAL DA PROMOÇÃO E DEFESA DA VIDA DO REGIONAL SUL 3