Reflexões

Natal é defesa da vida
O nosso Natal começa mais cedo, não no nascimento, mas desde a concepção (Mt 1, 18). Digo isto porque não celebramos uma data (25 de dezembro), mas sim um mistério: a encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo. Pelo Espírito Santo, cremos que Maria concebeu, pois o anjo anunciou que o Altíssimo a cobriria com sua sombra (Lc 1, 35). A sombra de Deus significa a proteção, o amparo, o cuidado, o amor que gerou a Vida Divina no seio da Virgem e agora a cobre com a força que vem do alto. 

A sombra só é possível por causa da luz que resplandece (Jo 1, 4). Sem a luz ela não existiria, pois a sombra sempre reflete a existência de algo que a luz atingiu. A sombra é um presente, é um alento, é uma dádiva para os que caminham à luz do dia. As palavras do Anjo confirmam o amor de Deus desde o momento da concepção, que, na encarnação de seu Filho, quis precisar da natureza humana. Dignificou, com isso, a existência de toda humanidade. Toda concepção foi restaurada com a encarnação do Verbo que se fez carne e habitou entre nós (Jo 1, 14). 

Maria demonstra fé na revelação que lhe foi dada pelo anjo e corre ao encontro de sua prima Isabel para levar alento e apoio para aquela que também precisa repousar na sombra do amor criador de Deus. Partiu para cuidar do nascituro que por ser concebido por uma mãe em idade avançada precisava de mais cuidados. Tratava-se sem dúvida de uma gravidez de risco. Essa proteção, guiada pela fé da Virgem Maria, a fez partir e viajar por um longo caminho. Ao se encontrarem Isabel impressiona-se com a alegria do filho em seu ventre pulando ao receber a “Mãe do Senhor”, como a chamou Isabel (Lc 1, 41-45). “Minha alma exulta de alegria” (Lc 1, 46) é a resposta da Virgem que disse sim ao plano de Deus e estava disposta a dar sua própria vida pelo Filho que crescia em seu ventre. Ambas estavam iluminadas pela luz de Deus e protegidas pela sombra do Senhor. 

Hoje este encanto do Natal faz-nos recordar tamanha beleza e convida a todos a meditar as belíssimas imagens que nos inspira: a família de Nazaré, Maria grávida, José a seu lado, uma manjedoura, um nascimento, uma criança, uma aliança...

Não é só uma recordação; é verdadeiramente uma celebração da defesa da vida que nos faz pensar sobre a dignidade de todo ser humano desde a concepção no ventre materno. 

Porém vemos também a escuridão de Herodes (Jo 1, 5), pronto a matar todas as crianças nascidas que pudessem colocar seu reino em perigo. Seu trono estava prestes a ganhar um concorrente. O poder corrompe todos e tudo a ponto de relativizar a própria vida. Nada tem importância maior de que os próprios interesses daquele que pensa só em si mesmo. É a cultura da morte que invade nossos lares; a cultura de Herodes permanece viva em nossa sociedade, capaz de matar inocentes, de desprezar os embriões, de legalizar e justificar a morte de inocentes. 

No Natal vemos dois cenários: Maria, que representa todos os homens e mulheres que dizem sim à vida, e Herodes, que representa todos os homens e mulheres que dizem não à vida. Por isso, celebrar o Natal é defender a vida, pois foi pelo mistério da concepção virginal no seio de Maria que Deus se fez homem e habitou entre nós (Mt 1, 22-23). Queremos neste Natal reconhecer a dignidade do embrião e de todo o processo que define nosso desenvolvimento no ventre materno: processo sagrado e inalienável, caminho que o próprio Deus escolheu para habitar em nosso meio; portanto caminho de salvação, enfim, caminho de encontro com o Emanuel, o Deus conosco.

Dom Ricardo Hoepers
Bispo do Rio Grande